sábado, 8 de março de 2008

Através dos tempos...um pouco da História da Loucura

Segundo o dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO;PLON, 1997), quer a loucura seja chamada de furor, mania, delírio, fúria, frenesi ou alienação, que o insano seja designado por um termo popular (doido, pancada, desgringolado, maluco, biruta, tantã), a loucura sempre foi considerada como o outro da razão. Extravagância, perda do juízo, perturbação do pensamento, divagação do espírito, domínio das paixões, tais são as imagens dessa doença que atinge os homens desde a noite dos tempos e cuja origem é buscada ora na magia (possessão demoníaca ou divina), ora no cérebro ou nos jumores (medicina hipocrática), ora, ainda, nos movimentos da alma (psicologia),. Foi com Descartes e a famosa primeira frase das Meditações que se concretizou, no século XVII, a idéia de que a loucura talvez fosse inerente ao próprio pensamento: " E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo são meus, a não ser que me compare àqueles insensatos cujo cérebro é tão pertubado e ofuscado pelos negros vapores da bile, que eles constantemente asseguram ser reis, quando são muito pobres, estar vestidos de ouro e púrpura quando estão nus, ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro? Mas, qual! Eles são loucos, e eu não seria menos extravagante se me pautasse por seus exemplos."
Há três maneiras de pensar o fenômeno da loucura desde que ela foi errancada do universo da magia ou da religião: a primeira consiste em introduzi-la no quadro nosológixo construído pelo saber psiquiátrico e considerá-la uma psicose (paranóia, esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva); a segunda visa elaborar uma antropologia de suas diferentes manifestações de acordo com as culturas (etnopsiquiatria, etnopsicanálise, sociologia, psiquiatria transcultural); a terceira, finalmente, porpõe abordar a questão pelo ângulo de uma escuta transferencial da fala, do desejo, ou da vivência do louco (psiquiatria dinâmica, análise existencial, fenomenologia, psicanálise, antipsiquiatria).
De fato, essas três maneiras de conceber a loucura sempre se cruzaram. É difícil, com efeito, conceber a verdade da loucura independentemente da razão que a pensa, mesmo que essa verdade ultrapasse a razão. E, se a psicanálise nasceu de um grande desejo de tratar e curar as doenças nervosas, ela sempre se implantou, ao mesmo tempo, no campo do tratamento da loucura, numa reação contra o niilismo terapêutico de uma psiquiatria mais preocupada em classificar entidades clínicas do que em escutar o sofrimento dos enfermos. Testemunho disso, se necessário, foi a experiência princeps de Eugen Bleuler na Clínica do Burghölzli, em Zurique.
Os discípulos e sucessores de Freud (sobretudo Karl Abraham, Melanie Klein e seus alunos) foram os primeiros a elaborar uma clínica da loucura. Jacques Lacan, por seu lado, foi o único dentre os herdeiros de Freud a realizar uma verdadeira reflexão filosófica sobre o estatuto da loucura. Desde 1932m preconizou em sua tese que o saber psiquiátrico fosse repensado segundo o modelo do insconsciente freudiano e, em 1946, comentou a famosa frase das meditações, sustentando que a fundação do pensamento moderno por Descartes não excluía o fenômeno da loucura.
Por volta de 1960, a generalização da famacologia no tratamento das doenças mentais pôs fim à nosografia oriunda de Emil Kraepelin e à abordagem freudo-bleuleriana, substituindo o manicômio pela camisa-de-força química, a clínica pelo diagnóstico comportamental e a escuta do sujeito pela "tecnologização" dos corpos. Daí o esfacelamento do vínculo dialético e crítico que unia as três antigas maneiras de pensar a loucura. É dessa crise e dessa ruptura que dá conta o livro de Michel Foucault (1926-1984) intitulado História da Loucura na Idade Clássica: "Este livro não pretendeu fazer a história dos loucos ao lado das pessoas sensatas, perante elas, nem tampouco a história da razão em sua oposição à loucura. Tratava-se de escrever a história da separação incessante mas sempre modificada entre elas". Partindo dessa idéia de separação, tomada da "parte maldita" de Georges Bataille (1897-1962), Foucault como que inventou sua cena primária: separação entre a desrazão e a loucura, entre a loucura ameaçadora dos quadros de Bosch e a loucura domésticada do discurso de Erasmo, entre uma consciência crítica (onde a loucura se transforma em doença) e uma consciência trágica (onde ela se abre para a criação, como em Goya, Van Gogh ou Artaud), e separação interna, enfim, no cogito cartesiano, onde a loucura é excluída do pensamento no momento em que deixa de pôr em perigo os direitos deste último.
A propósito do cogito, Foucault tomou, nesse ponto, uma posição inversa à de Lacan, o que lhe valeu uma crítica argumentada por parte de Jacques Derrida.
Preciputando o declínio da psquiatria clássica por um ato "psiquiatricida", como diria Henri Ey, esse livro abriu caminho para uma nova abordagem historiográfica da loucura, cujo impacto podemos avaliar pela acolhida negativa que ele recebeu e pelas múltiplas resistências que suscitou. Ele foi, sem sombra de dúvida, o ponto de partida para uma inversão de perspectiva entre a razão e a loucura, a qual foi levada em conta na quase totalidade dos trabalhos posteriores sobre o assunto, fossem eles foucaultianos ou não. Entretanto, essa abordagem não surtiu nenhum efeito no tratamento psiquiátrico da loucura, que evolui cada vez mais, neste fim do século XX, para um niilismo terapêutico e um organicismo comparáveis aos que Freud combateu cem anos atrás.

4 comentários:

Anônimo disse...

patyyyyyyyyyyyyyyyyyyy, ameiiiiiiiiiiiiiiiiii

FELIZ ANIVERSARIOOOOOOOOOOO!!!!!!!!

mary disse...

adorei o post!

:-D

Nossa, aprendi bastante. Pois vivo num conflito eterno com a psicologia e a psiquiatria, que ao meu ver, sempre se preocuparam mais em dar nomes aos buracos da alma do que em ouvir e buscar, juntamente com os que estão do outro lado da razão, um direcionamento, ou melhor, uma canalização para seu sofrimento. Mas depois do seu post eu vi que filosoficamente isso já foi questionado, mas na prática...

Luiz "TIM" Ernani disse...

CIIIIIIII!!! preciso falar com vc, tem uma amiga minha indo praí, queria saber se vc poderia sair com ela qualquer dia, pra dar um rolê, Bairro Alto, Alfama, sei lá.. faz esse favor? deixa um recado no meu blog, ou manda um mail pra mim com seu telemovel, eu passo pra ela. luizernani@hotmail.com
Beijooooossss
Saudade!!!
Hoje rola baladinha do Wlad, vou ver se consigo ir.

Paulo Bemfica disse...

só uma pergunta: o que quer dizer com "através dos tempos..."?